O MUNDO DO LOW ABV
Como drinks sem álcool e o movimento ‘sober curious’ impactam a sociedade atual, onde um pouco de alcoolismo é esperado de todos nós.
Nos últimos anos, a demanda por bebidas sem álcool e de baixo teor alcoólico tem crescido significativamente, principalmente em meio ao público jovem. Esta tendência é impulsionada por um consumo mais consciente e sustentável, tanto para a saúde quanto para os bolsos — até porque pagar $ 17 por um gin tonic, em um barzinho meia boca em Nova York, faz qualquer um questionar suas decisões de consumo.
A verdade é que beber já está caro, e beber bem requer sacrificar outros padrões de consumo, como um jantar mais oneroso, um supermercado da semana ou aluguel do mês. No Brasil, já vemos uma ampla oferta de cervejas 0 ABV, e alguns estabelecimentos até oferecem drinks sem álcool que vão além da soda italiana. Nos Estados Unidos, já me deparei com Nogronis (Negronis sem álcool) e diversos destilados e licores com baixo ou nenhum teor alcoólico, elaborados com a mesma precisão que suas versões originais e alcoolizadas.
Então, o que significa não beber em uma comunidade que espera um leve teor de alcoolismo de todos nós? Serão os sóbrios os novos loucos da sociedade atual?
Aperitivo Para a Leitura
Todo ano, tenho a tradição de passar um mês sem beber álcool, algo que comecei depois de um carnaval ébrio, pós pandêmico, pelas ruas do Rio de Janeiro. Ao terminar a viagem, senti meu corpo implorando por sobriedade, água e carboidratos complexos e, assim, decidi fazer um experimento social e pessoal.
A agenda de uma comunidade jovem, que passou um ano sem poder sair de casa, estava sempre lotada de festas, encontros, e desculpas para sentar com os amigos e tomar uma. Toda semana, um motivo para beber. Todo drink, uma rodada dupla, e quando me dava conta, já estava na minha quinta taça de Aperol Spritz, já analisando o cardápio on-line do McDonald’s e cancelando minha aula de spinning às 8 da manhã do dia seguinte.
Na visão dos meus amigos, minha sobriedade foi posta no mesmo patamar à junção de um culto obscuro, no qual o veganismo e a doação de todo meu patrimônio para um guru barbudo viriam em seguida.
“Como assim, você não está bebendo? Vai fazer alguma cirurgia?”
“Aaaahhh, mas nesta semana tem aniversário de fulano, começa mês que vem!”
Eu me calei, e deixei de anunciar ao mundo que tinha tomado uma decisão a prol da minha saúde e por curiosidade antropológica. Ia às festas e pedia apenas água tônica com gelo e limão em um copo balão, bebendo disfarçadamente como uma espiã soviética em meio à sociedade ocidental. A cerveja zero no copo lagoinha me salvava nas tardes de calor na fazenda, ao lado da piscina com meus tios e primos, que com certeza me exilariam em alguma ilha remota caso descobrissem minha heresia etílica.
Descobri algumas coisas nesse primeiro mês sóbria. A primeira, é que realmente gosto de beber, e me fazia falta o sabor amargo do Negroni depois de um dia longo de trabalho. A segunda, em contraste, é que não preciso de beber como achei que precisava, para conseguir aproveitar e me divertir em situações sociais. A terceira, é que é muito bom acordar no dia seguinte cheia de vitalidade. A quarta, e principal, é que a “barriga de chopp” tem esse nome por um motivo.
Quando voltei a beber, já estava muito mais consciente das ocasiões em que realmente me apetecia um drink, ou se estava bebendo apenas por sentir que deveria. E isso é algo de que tenho consciência até hoje.
Desde então, todo ano, passo um mês sóbria, como um reset nas minhas tendências etílicas. Aprecio e respeito aqueles que deixam de beber por completo, mas amo meu rum e meus Negronis demais para abandoná-los assim.
A Ascensão Dos Coquetéis Sem Álcool
Vamos voltar no tempo, para um período antes de qualquer um de nós sonhar em ficar sóbrio em uma festa. Os coquetéis sem álcool já existiam nos anos 1920, durante a Lei Seca nos Estados Unidos. Imaginem toda uma nação sendo forçada a encontrar alternativas ao álcool, em meio a um período pós-Guerra e sem Rivotril — está aí a primeira grande depressão. Com uma ampla gama de insumos, houve uma explosão de criatividade na mixologia, e bares passaram a oferecer drinks no alcohol, para suprir a ilusão de se estar bebendo um coquetel.
E, claro, como qualquer boa tendência, os coquetéis sem álcool voltaram com tudo nas últimas décadas. Para muitos de nós, meros mortais, isso é provavelmente porque a ressaca se tornou insuportável com a idade. Porém, existe também um novo movimento de contracultura, principalmente entre os Millennials e a Geração Z, chamado “sober curious”. Esses jovens não só querem viver mais, como também querem lembrar o que fizeram na noite anterior.
Porém, em uma sociedade na qual o consumo de álcool se tornou tão primordial nas interações sociais, “não beber” já virou quase tabu. Em meio a isso, indivíduos sóbrios se sentem deslocados sem um copo em mãos, e é daí que os mocktails e as versões não alcoólicas de cerveja entram para nos salvar da estranheza e do constrangimento de querer ser saudável.
Os Bad Boys Estão Sóbrios?
Hoje, não é só sobre não beber; é sobre uma experiência sensorial completa. A indústria de bebidas sem álcool não é mais vista como uma alternativa de segunda classe. De fato, as vendas de bebidas não alcoólicas cresceram mais de 30% em quatro anos, atingindo um valor de 11 bilhões de dólares em 2022 (The Food Institute).
As grandes marcas perceberam que há um mercado enorme de pessoas que querem um drink sofisticado, mas sem o álcool. Assim, surgiram maravilhas como o Nogroni e os destilados botânicos que imitam o sabor do gin, mas sem o efeito colateral de ressacas homéricas, tanto físicas quanto morais.
E não pense que isso é só uma moda passageira. A Nielsen relatou um crescimento de dois dígitos na categoria de bebidas não alcoólicas entre 2020 e 2022 (SevenFifty Daily). E como tudo no mundo moderno, o fenômeno foi impulsionado pelas redes sociais e influenciadores que postam fotos de seus mocktails em praias e rooftops.
Isso tudo sem mencionar o movimento em favor da saúde e do bem-estar, que nos diz que podemos ser saudáveis e ainda assim desfrutar de um bom drink. Se antes os Bad Boys entornavam whisky e pilotavam motos, hoje eles fazem yoga e bebem chá de hibisco com gengibre. O que permanece são as tatuagens duvidosas e o cabelo mal cortado.
E se isso não o convenceu, saiba que o James Bond pedia seus Martinis batidos, e não mexidos, pois assim a bebida ficava mais diluída e com menor teor alcoólico.
Algumas Bebidas Não Alcoólicas
Uma pessoa sóbria em um bar é como um vegano em uma churrascaria, onde a soda italiana é a batata frita da vez. Porém, o mundo está lentamente aderindo às tendências saudáveis e já existem alternativas para um bom drink sem álcool.
Comecemos com a cerveja sem álcool. Hoje em dia, essas cervejas são mais populares do que nunca, e não, não estou falando daquelas brejas aguadas que fazem você questionar suas escolhas de vida. Marcas como Heineken 0.0 e Paulaner trouxeram uma nova dimensão ao mercado, oferecendo sabor real sem o teor alcoólico.
Agora, vamos para os destilados sem álcool. Marcas como Seedlip e Ritual Zero Proof estão liderando essa revolução em terras internacionais. Elas criaram destilados que imitam o sabor dos clássicos, como gin e whisky, mas sem a pegada alcoólica. São produzidos com ervas, especiarias e frutas, destilados da mesma forma que seus equivalentes alcoólicos.
Não podemos esquecer os vinhos sem álcool. Ariel e Fre são marcas na vanguarda, oferecendo vinhos tintos e brancos em que o álcool é removido por meio de processos especiais, mantendo o sabor das uvas.
E, para quem quer diminuir gradualmente o consumo de álcool, basta experimentar o Aperol Light, uma versão de baixo teor alcoólico do nosso amado drink laranja. Basta misturar Aperol, água com gás e uma rodela de laranja, pulando a parte do prosecco.
O Retorno À Ebriedade
Acabando meu mês sóbrio, ainda me encontro sem vontade de beber. Estou esperando a ocasião certa, que em meio a dias corridos de trabalho e louça para lavar não chegou ainda.
Mas não tenho pressa.