AMOR POR VERMUTE
Um tributo ao terceiro ingrediente do Negroni, e toda a sua glória individual
Quando morava em Madri, tinha poucas horas de folga entre as aulas de manhã e meu trabalho de bartender à noite. Duas horas para o almoço, o que era tempo suficiente para me reunir com colegas de turma e irmos para um pequeno bar a dois quarteirões da escola.
Sentávamo-nos nas cadeirinhas dobráveis olhando para a Ronda de Segóvia, avenida que passa por baixo da Porta de Toledo. Lá dentro, uma TV passava o noticiário atrás do bar, e pratos de azeitona, sardinhas e outras tapas ficavam expostos na vitrine. Era difícil encontrar algo mais tradicional que aquilo.
E a melhor parte dos bares tradicionais espanhóis? Seu Vermute caseiro!
Quase todos os dias, cansados de aprender sobre denominações de origem e apelações para conhaques, whisky e tequila, apreciávamos a simplicidade. Com o vento ainda frio do inverno madrilenho, pedíamos cada um uma fatia de tortilla de patata, daquelas que vem torradinhas por fora e bem úmidas por dentro. De acompanhamento, sempre vinha um copinho repleto do líquido roxo-amarronzado, mirando ao rubi escurecido pelas semanas de maturação em alguma jarra no fundo do bar.
COM VOCÊS, O VERMUTE!
O Vermute ficou bastante popular no Brasil por ser um dos três ingredientes que compõem a epifania ébria e democrática do Negroni. Porém, fora da nossa terrinha tropical e dentro da eunoia mediterrânea, esse licor na verdade faz parte do repertório alcoólico de muitos países viticultores.
Em todo bar tradicional espanhol, você encontra um Vermute. Se não for caseiro, ele é com certeza artesanal de alguma forma, ou proveniente da garrafa de algum produtor pequeno, de boa reputação.
A História do Vermute
O livre consumo de bebidas alcoólicas e as recordações verídicas de fatos históricos são dois conceitos antagônicos por natureza. Por isso, não se sabe com certeza qual a origem do Vermute. A teoria mais aceita é que esse licor à base de vinho remonta à antiguidade romana ou grega, quando ervas e especiarias eram frequentemente adicionadas ao vinho por razões medicinais e de sabor.
A palavra “Vermute” deriva do alemão “Wermut” para artemísia, uma das ervas principais utilizadas na sua preparação. A artemísia era utilizada para tratar da menstruação irregular, cólicas menstruais ou ansiedade — e entre beber chá de camomila ou um copo de vinho fortificado… já se sabe a resposta.
Acredita-se que a versão moderna do Vermute tenha sido desenvolvida em meados do século XVIII na Itália, especificamente na região de Piemonte. Antonio Benedetto Carpano é creditado como o inventor do Vermute moderno em 1786, quando começou a vender uma bebida doce à base de vinho infundido com várias ervas e especiarias.
Acredita-se também que ele estava à toa naquele dia.
O século XIX viu um aumento na popularidade do Vermute, especialmente na Europa e nos Estados Unidos. Durante esse período, o Vermute foi também firmemente estabelecido como um componente-chave em muitos coquetéis clássicos, incluindo o Martini e o Manhattan.
No início do século XX, em Florença, foi criado o Negroni, coquetel que hoje é a principal razão pela qual você procura uma garrafa de Vermute nas prateleiras do supermercado.
Os Tipos de Vermute
O Vermute é tipicamente categorizado em dois tipos principais: doce (rosso) e seco. No entanto, existem outras variações que se desenvolveram ao longo dos anos.
O Vermute Doce, aquele que eu tomava no horário do almoço, possui uma cor âmbar profunda ou vermelho rubi. Originário da Itália, ele é ingrediente vital em drinks famosos, como o Negroni e o Manhattan. Sua composição é poética, com ervas e especiarias (absinto, ruibarbo, genciana, camomila, cravo e canela são frequentemente usados) e um vinho-base, geralmente um tinto de corpo médio.
Já o Vermute Seco, popular na França, é mais pálido e menos doce. Ele é aquele ingrediente-chave para um bom Martini Seco, ou Vesper Martini, se você quer se sentir como o James Bond (pelo menos em seu alcoolismo, que pode ser sofisticado com uma gravata borboleta e um Straight Flush em mãos). Esse Vermute é acentuadamente seco, com um leve toque de amargor. Ervas como artemísia, cardamomo e raízes de íris são utilizadas e um vinho branco seco é geralmente a base.
Fazendo Vermute
Voltando para o Brasil, eu me entristeci ao ver que a cultura do Vermute ainda não havia sido adotada por nós (que desperdício). No supermercado, encontrava apenas garrafas de marcas generalizadas, que banalizavam o artesanato por trás da maceração de ervas em vinho, numa jarra em algum lugar escuro. Decidi, então, tomar providências.
Comprei um vinho tinto de base, um vinho branco licoroso, vodca para fortificar a mistura e um bocado de ervas que encontrei no Mercado Central de Belo Horizonte.
Cheguei em casa e liguei para um amigo, também entusiasta da coquetelaria: “Vem aqui pra casa, vamos fazer Vermute.” Em menos de vinte minutos já estávamos aquecendo os vinhos e a vodca em uma panela sobre fogo baixo, adicionando algumas das especiarias. Depois, bastou despejar o líquido, ainda com seus botânicos, em uma jarra de vidro de três litros. Dalí, temperamos nossa criação com um pouco de tudo — cravo, cardamomo, cascas de laranja, flor de louro, estrela de anis… um verdadeiro Frankenstein perfumado. O segredo é ir inventando moda mesmo, até achar que ficou bom.
Guardamos a jarra na despensa e esperamos um mês. Quando a retiramos, coamos as ervas e os botânicos que já estavam meio murchos, tendo doado todo seu sabor para o líquido, que havia tomado uma coloração rubi. Separamos em garrafinhas menores e distribuímos para amigos e família — existe presente melhor do que um licor feito em casa?
Drinks Com Vermute
Para os entusiastas de Negroni, não há como escapar da garrada de Vermute na prateleira do home bar. Porém, para quem quer explorar outros usos desse licor, existem drinks clássicos que o levam como um ingrediente indispensável.
Começando com o Manhattan, numa taça de Martini, com um twist de casca de laranja contrastando contra o vermelho do líquido. Uma mistura de 60 ml de Bourbon e 20 ml de Vermute, com duas pitadas de Angostura para dar mais personalidade ao sabor. Para o Rob Roy, basta trocar o Bourbon pelo Whisky — isso deixará o drink um pouco menos doce.
O Blood and Sand, um dos meus favoritos, leva Whisky, Cherry Brandy, Vermute e suco de laranja em partes iguais, servido também na majestosidade em forma de V da Martini. Com uma coloração alaranjada e turva, esse drink é uma explosão de sabores.
E o melhor de todos: Vermute puro. Em sua nudez e beleza individual. Preferencialmente artesanal. Perfeitamente, feito em casa, do seu jeito favorito.