Racismo e Padrão de Beleza
A desconstrução da beleza padrão: Colorismo e a valorização da diversidade.
por Dra. Patrícia Leite
Recentemente, assisti perplexa a um vídeo no qual uma menina negra era perguntada sobre quem era a mais bela, diante de uma gravura mostrando cinco crianças cujo tom de pele e cabelos iam do branco e loiro ao negro, passando por cinco graduações. Ela respondia que a mais bela era a mais branca e loira. Quando perguntada sobre a mais bondosa, assisti surpresa à mesma escolha por parte da criança. Quando perguntada quem era a mais inteligente, a escolha se repetiu...
Até que a pergunta seguinte foi sobre quem era a mais feia, maldosa e burra. A escolha, então, foi para o outro extremo, apontando, com os dedinhos tímidos, a menina de tons escuros.
Em 2020, o tema racismo veio à tona devido ao acontecimento nos Estados Unidos que viralizou pelas redes sociais envolvendo um policial branco e um civil negro que foi morto ao ser repreendido pela autoridade americana. Nesse texto, a temática extrapolou os âmbitos políticos e comportamentais e adentrou em outra perspectiva, a qual domino: a beleza.
Conceitualmente, a beleza de um objeto, monumento, música ou pessoa, são atribuídas à qualidades. Diversas associações também são realizadas, automaticamente, quando nos referimos a algo belo. Em geral, valores como bondade, ordem, justiça e sabedoria são historicamente associados ao conceito de beleza, por poetas, filósofos e cientistas.
COLORISMO
O vídeo trata do colorismo, discriminação contra pessoas com o tom de pele escuro, atitude tão sinistra e sutil como o racismo. Em um mundo no qual pele clara, olhos claros e cabelos loiros são considerados componentes quase que obrigatórios da beleza-padrão, não é de se esperar que a menina, em idade tão remota, associe qualidades negativas à menina de pele escura, e positivas à de pele e cabelo claros.
Estudos sobre a teoria evolucionista afirmam que nossas preferências de beleza não são inatas, mas aprendidas. Nossas crianças estão sendo ensinadas a atribuir valores como inteligência, bondade e beleza a pessoas de pele clara. E o contrário, a pessoas de pele negra.
O mais sutil, é que fazemos isso de forma inconsciente. Ao comprarmos uma boneca baby alive de pele branca e loira para presentear nossas filhas no aniversário, estamos fomentando essa mentalidade. Ao elogiar a menina branca, de cabelo loiro, e chamá-la de princesa, estamos mostrando nossas “preferências”. Ao consumir roupas, adornos e produtos de beleza representados por modelos caucasianas, de beleza clássica, estamos reforçando nossas escolhas pelo padrão.
Estamos, inconscientemente, elegendo quem será aceito e valorizado, esquecendo-nos, entretanto, de que há uma legião de invisíveis para nós, para a indústria da moda, para infinitas oportunidades profissionais e pessoais e até para os nossos filhos.
Penso, como alguém que lida rotineiramente com preferências de beleza, que é preciso mais do que a indignação para combater essa mentalidade tendenciosa e excludente. Tais preferências pela forma, pelos tons, pelo biotipo, se podem ser aprendidas, certamente pode ser também desaprendidas, ou simplesmente não mais incentivadas por nós mesmos.
Todos nós temos a oportunidade rotineira de fazer escolhas não convencionais. Nós, que consumimos essas mensagens da indústria da beleza, podemos mudar nossas escolhas. Entretanto, a primeira coisa a ser mudada é uma tomada de consciência.
STATUS QUO
As pessoas não precisam aceitar, de forma passiva, o que a sociedade elegeu como belo. Podemos questionar e desafiar o status quo. Porque, assim que o fizermos, ficaremos mais perto de ampliar nossos padrões de beleza. Não só da beleza física, mas de todo tipo de valor associado à beleza, como inteligência, caráter e bondade.
Fato é que não estamos dando a permissão para nossa cultura e para nós mesmos de sermos valorizados a não ser pelo padrão. Especialmente as mulheres negras precisam romper com a mentalidade que as diminui em todas as idades e em todas as esferas da sociedade. O cabelo delas pode ser considerado lindo. O tom de pele delas pode ser considerado lindo. Mas, para isso, é preciso se libertar de padrões de imagem e conceitos, porque, por séculos, as mulheres negras foram levadas a crer que o cabelo liso e loiro é o cabelo mais bonito e que quem possui tais características é mais valorizada sob diversos aspectos.
Para romper com o padrão, é preciso se amar, antes de tudo, e começar a desconstruir as ideias irreais da beleza padrão. É importante que as pessoas saibam que a beleza delas é válida; que a beleza individual deve ser suficiente. E que essa suficiência alcançada não deve implicar nenhum tipo de sofrimento, devendo, sim, ser uma oportunidade de se bastar e de compreender, de forma disruptiva, a diversidade da beleza.