Os Vinhos de Minas Gerais
Conheça a História por Trás dos Vinhos de Minas Gerais e como Técnicas Inovadoras Estão Transformando o Setor
Foi em uma conferência gastronômica em Belo Horizonte que me deparei com meu primeiro vinho mineiro. Ali, enquanto explorava as ofertas de queijos, geleias, doces e goiabadas (que, afinal, é o que se espera encontrar em uma feira de produtores locais mineiros), vi, de relance, uma escura garrafa estilo Borgonha.
Como boa sommelier, aproximei-me do estande na inocência de conhecer o que pensava ser uma nova distribuidora de vinhos estrangeiros ou, no máximo, do sul do país, que já vem ganhando uma reputação como bom produtor, especialmente de brancos espumantes. O que vi, em vez disso, foram as garrafas de Syrah da Vinícola Estrada Real, localizada em Caldas, na região cafeeira do sul de Minas Gerais. Vinho mineiro?? Isso, sim, era novidade para mim! Comprei, então, três garrafas e voltei apressada para casa.
O Brasil, no decorrer dos últimos anos, vem investindo na produção de vinhos, especialmente em estados do sul, onde as temperaturas são mais amenas e as uvas mais propícias a florescer.
Em 2021, nosso país teve 55 rótulos premiados na International Wine Challenge de Londres, uma das mais influentes disputas no mundo do vinho, que reúne garrafas de mais de 50 países. O Rio Grande do Sul lidera a produção, concentrando 90% das vinícolas, especialmente na Serra Gaúcha, onde o terroir é ideal para o desenvolvimento das uvas.
Com seu clima subtropical, a região possui verão e inverno bem característicos, o que favorece o ciclo de vida e a colheita das videiras. Mas, como Minas Gerais, com suas temperaturas calorosas durante todo o ano, consegue produzir vinhos de qualidade?
A COLHEITA MINEIRA
Geralmente, as videiras hibernam no inverno, quando são podadas para manter seu formato ideal. Na primavera, começam a florescer, e iniciam seu processo de amadurecimento por volta da metade do verão (época chamada de veraison). Aqui é quando elas perdem sua coloração verde-escura e começam a crescer, retendo água e sabor. Na hora da colheita, o nível de amadurecimento das uvas afeta o sabor e as características do vinho.
Uvas colhidas no início de seu amadurecimento são mais ácidas, enquanto as que amadurecem por mais tempo possuem mais açúcar concentrado e apresentam sabores mais tropicais. Em regiões vinícolas com verões mais calorosos, como a Califórnia e a África do Sul, as uvas amadurecem mais rápido, resultando em vinhos mais doces.
Porém, em Minas Gerais, o verão é bastante intenso e nada propício para o amadurecimento gradativo das uvas. As altas temperaturas e a umidade durante todas as horas do dia resultam em concentrações exageradas de açúcar e água nas frutas, gerando vinhos excessivamente doces e diluídos. Então, como será que Minas é capaz de produzir vinhos tão saborosos, com uvas como Syrah, conhecida por ser encorpada, e Sauvignon Blanc, renomada por sua acidez?
O segredo está na técnica de colheita de inverno, que foi executada pela primeira vez em 2003 pela Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais). Aqui, aplica-se o método da dupla poda, que inverte o ciclo natural da planta e faz com que o processo de desenvolvimento ocorra no inverno, e não no verão.
Dessa maneira, as uvas amadurecem em condições climáticas ideais para sua colheita, com dias quentes e ensolarados e noites frias e secas, parecidas com o verão europeu. Ao adotarem essa técnica, vinícolas em Minas (e também em outros estados do sudeste brasileiro) começaram a produzir vinhos finos, e não somente de mesa, conhecidos por sua “inferioridade” e simplicidade sensorial.
O VINHO DE MINAS
O consumo de vinho no Brasil, apesar de ter crescido muito durante a pandemia, ainda é significativamente menor que em países europeus, como Portugal, França e Espanha. E, mesmo entre indivíduos já amantes da bebida, sempre houve uma clara preferência por rótulos importados, com uma leve discriminação por aqueles produzidos no nosso próprio país. Julgamos vinhos “pela capa” assim como fazemos com nossos livros.
Porém, recentemente, mais e mais vinícolas mineiras entram nesse competitivo mercado, em ambos os níveis − nacional e global. Dos 55 rótulos brasileiros premiados em Londres, um deles era um Syrah da vinícola Luiz Porto, no sul de Minas, ganhador de uma medalha de bronze. Aos poucos, está sendo possível ver a gradual aceitação de vinhos brasileiros por parte do público.
Minas Gerais é reconhecido nacionalmente pela qualidade de sua comida e pela agropecuária. Nos últimos anos, diversas vinícolas no estado têm aumentado sua produção e venda de rótulos, gerando safras saborosas e surpreendentes. Vinícolas como Luiz Porto, em Cordislândia; Maria Maria, em Três Pontas; e Dos Montes, em Santana dos Montes, estão sendo mais influentes no mercado, promovendo até o enoturismo por Minas.
Em um jantar de família, abri uma das minhas garrafas de vinho mineiro, um Syrah da safra de 2017 da vinícola Estrada Real.
Nenhum dos meus familiares jamais havia provado um vinho regional. O sabor surpreendeu a todos na mesa: seco e intenso, com notas de frutas escuras, como ameixa, e um finalzinho de cacau. Minas, agora que também é produtor de vinhos exuberantes, dentro de pouco tempo se tornará uma referência gastronômica mundial. E que bom seria isso!