O Maravilhoso Universo TIKI
Aprenda sobre o movimento da coquetelaria que mistura o bon vivant com ingredientes tropicais e uma apresentação extravagante.
Se no mundo dos drinks o Negroni é aquela democracia de três ingredientes e o Dry Martini é um minimalismo etílico, os coquetéis Tiki são justamente o contrário. Eles representam a boemia do sol e das ondas da Polinésia, a pirataria e a navegação a regiões remotas, a abundância de ingredientes, com altos teores alcoólicos e baixa tolerância para o “horário de dormir” — não é à toa que esse é meu ramo favorito da coquetelaria mundial.
A HISTORIA DO TIKI
A coquetelaria Tiki começou em Hollywood, em um bar chamado Don the Beachcomber. Em 1933, logo após a abolição da Lei Seca nos Estados Unidos, o aventureiro e contador de história Donn Beach (Ernest Raymond Beaumont-Gantt) retornou ao seu país de origem para propagar a tropicalidade e a iridescência dos coquetéis com base de rum, famosos pelo Caribe.
Se existe um garoto-propaganda para a joie de vivre, este seria Donn Beach.
Ao encontrar um país se recuperando da crise de 1929, o viajante abriu um pequeno refúgio e o decorou com artefatos de suas viagens, romantizando o exotismo ao mesclar culturas do Caribe com a da Polinésia.
Com seu novo bar, Beach trazia para a terra firme os prazeres de uma ilha paradisíaca. Lá dentro, clientes encontravam paredes de bambu e tochas decorativas. Plantas cobriam quase todas as paredes, e o ambiente escurecido remetia a um verdadeiro luau polinésio. O som de chuva e de ondas do mar preenchiam o ambiente, e um colar havaiano decorava o pescoço de todos que entrassem pela porta.
No bar, coqueteleiras voavam para cima e para baixo, e uma carta de drinks com sabores exóticos trazia uma mistura de doce e amargo, com leves toques de especiarias, que iluminavam os sabores de frutas tropicais e de bastante, mas bastante rum.
O rum, por ser uma bebida popular entre marinheiros e piratas que navegavam pela Polinésia no século XIX, tornou-se a base da coquetelaria Tiki, com seu sabor adocicado de melaço de cana e resistência a mudanças de temperatura, envelhecimento, e outros fatores externos.
Dos mais de 60 drinks que compunham a carta do Don The Beachcomber, dois se destacaram por ser os favoritos entre os clientes: o Mai Tai e o Zombie. Hoje, essas duas maravilhas ébrias são consideradas clássicos da coquetelaria, essenciais para o repertório de um bom barman—o que é impressionante, considerando que o Zombie possui nove ingredientes.
Na minha ordem de conquistas homéricas, a memorização de uma carta Tiki está no topo da pirâmide da meritocracia. Logo abaixo, se encaixam a cura do câncer e um Ironman completado em menos de 7 horas.
A COMPOSIÇÃO TIKI
Os coquetéis Tiki, apesar de sua abundância de ingredientes e extravagância de apresentação, seguem um padrão, assim como todos os outros grupos de drinks que conhecemos (sours, aperitivos, cobblers, etc.).
A primeira regra é: coquetéis Tiki, em sua grande maioria, levam rum como seu destilado base. Às vezes, encontramos até combinações de vários tipos de rum em um só coquetel — o Zombie, por exemplo, casa rum carta-branca e carta-ouro, com um toque de rum fortificado para aquele toque extra de antissobriedade. Porém, é sempre possível fazer substituições, e a cachaça é um bom runner-up para o pódio.
Complementando os sabores açucarados do rum, é necessário sempre um toque cítrico para quebrar o álcool: limão-siciliano, laranja e grapefruit são potentes fontes azedas presentes em diversos drinks Tiki.
Especiarias são o terceiro componente essencial para esses coquetéis. Xaropes de canela, cravo, noz-moscada, baunilha, gengibre e o famoso Orgeat (xarope de amêndoas) são elementos essenciais para a criação de um drink equilibrado, realçando os sabores de outros ingredientes e mascarando a potência alcoólica no copo.
Para completar, não existe tropicalidade sem frutinhas doces e refrescantes. Purês, licores, infusões… a adição de frutas tropicais à mistura faz com que os drinks Tiki se adaptem a diversos paladares. A mais famosa delas, o abacaxi, já virou até emblema do movimento como um todo.
Mas não se engane! Esses elementos são sempre dosados para criar algo cítrico, refrescante e… potente. As camadas de sabor em um copo Tiki se complementam, e em um único gole você consegue apreciar uma complexidade sensorial harmônica, sem ser enjoativa ou inconsequente.
E para a decoração? Essa é a melhor parte!
Sabia que foi no Mai Tai que as primeiras sombrinhas de coquetel foram utilizadas? Servidos em cascas de fruta, copos com formato de escultura polinésia, e adornados com flores, plantas e meia-lua de frutas, os drinks Tiki são a pura boemia em forma de design etílico. Mas não extrapole: estamos fazendo drinks, e não carros alegóricos de uma escola de samba.
ALGUNS DRINKS TIKI
O universo Tiki é uma caixa de areia aberta para diversas criações. Entendendo o balanceamento de sabores e ingredientes, e sem se exaltar com misturas de ambição exagerada, qualquer um consegue se transportar para um mundo tropical. Aqui estão alguns clássicos Tiki para começar a jornada:
ZOMBIE
O Zombie é um clássico da cultura dos coquetéis Tiki, famoso por sua origem no bar Don The Beachcomber. Sua combinação audaciosa e complexa de sabores mistura notas cítricas, doces e um toque de especiarias.
2 pitadas de Absinto
4 pitadas de Angostura
10 ml Rum Overproof
20 ml Rum Carta-Oro
20 ml Rum Carta-Branca
10 ml Granadina
20 ml Xarope de canela
20 ml Suco de limão
20 ml Suco de grapefruit
MAI TAI
O Mai Tai foi também criado atrás do bar de Don Beach. Caracteriza-se por um perfil de sabor rico e equilibrado, em que a doçura do xarope de amêndoas é combinada com a acidez do limão, resultando em uma bebida refrescante e complexa.
40 ml Rum Carta-Oro
10 ml Cointreau
20 ml Suco de limão
10 ml Orgeat (xarope de amêndoa)
10 ml Rum Overproof
FOG CUTTER
O Fog Cutter tem sua origem nos bares polinésios da Califórnia nos anos 1940. Este drink mistura sabores e alta graduação alcoólica, combinando rum, gin, brandy e sucos cítricos, resultando em um perfil de sabor multifacetado. O Fog Cutter é apreciado por sua capacidade de “cortar a névoa” mental, daí seu nome sugestivo.
40 ml Rum Carta-Branca
20 ml Cognac
20 ml Gin
30 ml Suco de limão
30 ml Suco de laranja
15 ml Orgeat (xarope de amêndoa)
10 ml Sherry
PAINKILLER
O Painkiller se originou nas Ilhas Virgens Britânicas nos anos 1970, rapidamente ganhando fama em bares de praia e estabelecimentos de coquetéis Tiki. Este drink mistura sabores ricos e cremosos, com notas predominantes de coco e abacaxi, complementadas por um toque suave de rum, criando uma experiência de sabor suave. É como uma Piña Colada, mas com um nome mais chamativo.
60 ml Rum Carta-Oro
120 ml Suco de abacaxi
30 ml Suco de laranja
30 ml Creme de coco