Os tempos atuais são marcados por dois fenômenos complementares: a carência de líderes coerentes e inspiradores e o fortalecimento de narrativas polarizadas sobre visões de mundo. A responsabilidade de liderança cedeu lugar ao poder de influência. Fama tornou-se a nova “honra”, e seu valor é medido pela simples verificação da quantidade de seguidores nas redes sociais – espaços onde imperam ampla liberdade e autonomia e baixa responsabilidade social.
Dispondo da popularidade digital, personalidades emergem para encarnar o arquétipo de uma narrativa específica, 128 esforçando-se para cumprir cada item de um protocolo pré estabelecido: voz eloquente para reafirmar um ponto de vista direcionado à própria bolha; adversários ideológicos superficialmente eleitos; conteúdo com foco em performance para atender aos anseios de suas “torcidas”, que vibram por meio de emojis e likes.
Nessa levada, a capacidade de diálogo se esvai e assistimos anestesiados à normalização de comportamentos intolerantes e ao surgimento de conflitos de grande porte. As organizações já perceberam que os impactos negativos da priorização dos objetivos autocentrados, e o desinteresse pelo bem comum, precisam voltar para si, buscando seu propósito, sua identidade e sua representatividade naqueles que são guardiões dos seus princípios, com dignidade e integridade.
Afinal, a história nos conta que seguir o caminho de agir apenas pelo benefício próprio, desconsiderando os impactos e as consequências causados nas partes interdependentes da sua atuação, sejam pessoas e/ou o meio ambiente, é roteiro para infalível fracasso. Há, portanto, uma tendência de retomada de preocupação com legado, biografia e reputação, aliada a uma busca por lideranças mais coerentes com o seu propósito e com as externalidades de suas ações.
O NOVO PAPA
Eis que chegamos à Igreja, uma instituição milenar que promove um processo de eleição de líderes interessante, tanto pelo rigor da busca de consenso quanto pelo reconhecimento da fragilidade humana quando se tratam de relações de poder. E a escolha da sua nova liderança desperta muita curiosidade. Não à toa, Hollywood premiou no último Oscar o filme Conclave, de Edward Berger, que trata justamente do processo de escolha do novo Papa.
A sucessão do Papa Francisco, reconhecido pela dedicação em trazer coerência e humanidade aos princípios fundamentais da fé cristã, seria uma missão complexa neste novo contexto de mundo. Afinal, ele foi o primeiro a homenagear São Francisco de Assis em mais de dois mil anos da instituição católica. E, como o Santo, o argentino Jorge Mario Bergoglio sublinhou com inteireza e verdade sua opção pelos pobres, pela paz, pela justiça social e pela ecologia integral.
Francisco usou sua palavra e sua liderança altruísta em favor de pessoas marginalizadas e do meio ambiente. Publicou a Encíclica Laudato Si’ (2015) – a primeira que trata da nossa casa comum, o planeta Terra –, destacando com responsabilidade a “crise ecológica” como fenômeno multidimensional (ambiental, social e ético), criticando a “cultura do descartável” e apontando o “déficit ecológico” dos países desenvolvidos em relação ao Sul Global.
Ele marcou com humanidade e espiritualidade a agenda climática, com repercussões importantíssimas de um grande líder e influenciador (no melhor sentido da palavra). Contudo, o Papa não foi poupado de críticas. A compreensão da unidade humana ainda está longe de um consenso.
No dia oito de maio, a fumaça branca vinda da chaminé da Capela Sistina no Vaticano anunciou a conclusão do Conclave, o consenso dos cardeais no processo decisório de escolha do novo líder da Santa Sé: Habemus Papam!
PAZ E DIÁLOGO
Robert Prevost, um cardeal norte-americano, com cidadania peruana, foi anunciado trazendo esperança de paz e diálogo. Em poucos dias de papado, a abertura de comunicação acena como virtude. Se por um lado, afirmou tom mais conservador que seu antecessor nas questões de gênero, correspondendo aos anseios de uma significativa parcela de fiéis e simpatizantes, por outro, chamou atenção para “o paradigma econômico que explora os recursos da terra e marginaliza os mais pobres”.
Aberto à conversa, instituiu a “colaboração positiva e duradoura entre a Igreja e o Estado”, abrindo as portas do Vaticano para líderes globais. Sua agenda de diálogo neutro e respeitoso acolheu numa mesma manhã o presidente da Colômbia, Gustavo Petro (Colômbia Humana, esquerda), e o vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance (Partido Republicano, direita).
Prevost escolheu o nome sagrado Leão XIV pela simbologia de liderança, sabedoria e defesa da fé. Inspirado no papa Leão XIII, importante representante na história moderna da Igreja, foi seu líder durante a Revolução Industrial e fundou a Doutrina Social, na encíclica Rerum Novarum (1891), tratando os problemas dos trabalhadores, bem como a defesa da livre iniciativa e da propriedade privada. O novo Papa acredita que precisará de atitude e discernimento semelhantes frente aos avanços da inteligência artificial, que traz o risco de transformar as relações entre humanos em algoritmos.
Contudo, ele disse que este foi o principal motivo da escolha do nome, sem revelar os secundários. O que nos dá a liberdade de imaginar. E é bom lembrar a relação bonita e profunda entre São Francisco de Assis e Frei Leão, seu fiel companheiro, conhecido como o coração manso que guardou, registrou e transmitiu a espiritualidade franciscana. E com esse valores de humildade e fé, qualquer diálogo é fértil; o campo de entendimento, compassividade e empatia tende a abrir e fortalecer.
Boa sorte, Papa Leão XIV! Que a dignidade do diálogo venha restaurar as relações humanas, sociais e ambientais.