Drinks... Salgados?
Uma revolução no mundo da coquetelaria onde o sabor salgado é incorporado em deliciosos drinks
por camila wanderley | imagens divulgação
Tequila Altos Plata infusionada com pão tostado e queijo, um cordial de manjericão e limão, mel de chá oolong, água de tomate clarificada, suco de limão e clara de ovo — esses são os ingredientes que GN, bartender, usa para fazer o drink Cold Pizza no bar e restaurante Double Chicken Please, em Nova York.
Inspirado em um dos cafés da manhã mais emblemáticos de quem acorda com ressaca, o coquetel é servido em uma taça coupet, com um sabor que leva a pessoa às manhãs em pé em frente à geladeira, pescando aquela fatia de pizza guardada justamente para esse momento.
E não é somente isso — manteiga de cogumelos com café dão sabor ao whisky, servido com xarope de milho e um chips de prosciutto, e notas do famoso prato francês ratatouille estão presentes no drink “Anyone can Cook”. Entre na cozinha e veja uma mistura de purê de grão-de-bico, água de coco, pasta de curry tailandês, chalotas torradas, capim-limão, folhas de louro, coentro e cominho, chilli tailandês e Galanga sendo cozida cedo de manhã, como base 102 102 para outro coquetel servido no bar do estabelecimento.
O conceito aqui é simples: não existe nada mais nostálgico do que comida. Os pratos que sua avó preparava nos almoços de domingo, os sabores que você cresceu comendo… Então, por que não trazer isso para a coquetelaria? É dai que surge o cardápio de drinks do Double Chicken Please — uma mistura de sabores que, em teoria, deveriam ser servidos em um prato se apresentam numa taça na sua frente, em forma líquida.
A intenção não é ter um sabor idêntico ao do prato, mas algo que transporta você para uma lembrança dele, um toque suave de sabores que harmonizam entre si. Servindo entre 600 e 700 drinks por noite, o Double Chicken Please é somente um dos estabelecimentos que hoje exploram o universo do sal e do umami na coquetelaria.
A coquetelaria sempre buscou inovar, explorando uma ampla gama de sabores para surpreender amantes de bons drinks. Entre essas inovações, os coquetéis de perfil salgado têm ganhado destaque, desafiando a noção de que drinks devem ser predominantemente doces, cítricos ou amargos.
Entre os clássicos, já existem alguns corajosos embaixadores desse movimento. Criado na década de 1920, o Bloody Mary combina vodka, suco de tomate, suco de limão e uma variedade de temperos e molhos, como molho inglês e Tabasco. O Dirty Martini adiciona um toque de salinidade à mistura de gin e vermute seco através da inclusão de salmoura de azeitonas como guarnição.
Um pouco menos popular, temos também a Michelada, uma bebida mexicana que combina cerveja, suco de limão, molhos variados (como molho inglês e molho de pimenta), especiarias e pimenta. Servida em um copo com borda de sal, ela é quase que uma Bloody Mary dos cervejeiros — quem gosta de um, vai gostar do outro.
Drinks salgados são interessantes não apenas pelo sabor, mas pela textura que muitos deles conseguem oferecer. O umami, quinto gosto básico do paladar humano, está fortemente atrelado a ingredientes salgados — então, quando conseguimos incorporá-los à coquetelaria, criamos a sensação de prolongamento de sabor na língua, um arredondamento final que fica presente até após finalizar o drink.
OS SABORES SALGADOS NA COQUETELARIA MODERNA
A inclusão de ingredientes de perfil salgado enriquece os drinks com camadas de sabor mais profundas, resultando em bebidas complexas. Seja por meio de infusões ou guarnições, esses elementos ampliam a paleta sensorial do drink e oferecem experiências que antes só eram possíveis na gastronomia.
Carnes
O bacon-infused bourbon se tornou um clássico da mixologia quando Don Lee, do bar PDT (Please Don’t Tell), em Nova York, criou o Benton’s Old Fashioned. No processo de fat washing, o bacon é cozido lentamente e sua gordura é misturada ao bourbon. Após um período de descanso, a mistura é resfriada para a gordura solidificar e ser retirada, deixando para trás somente o sabor defumado e salgado da carne.
No bar The Aviary, em Chicago, o coquetel “Duck & Cover” combina rum envelhecido com infusão de gordura de pato, Campari e vermute, gerando uma releitura bem autoral de um Kingston Negroni. Alguns bartenders, inclusive, estão experimentando com bone broth cocktails, em que caldos de ossos são reduzidos e incorporados à bebida para adicionar notas salgadas e umami.
Inclusive, pensando neste artigo, fiz um fat washing de pepperoni em um bourbon. Sobre essa mistura, acrescentei xarope de mel com dedo de moça, criando um Old Fashioned picante, docinho, e levemente salgado no final, que entrega uma sensação de umami, um je ne sais quoi que vira o diferencial.
Queijos
Historicamente, a combinação de laticínios e bebidas alcoólicas não é novidade. Os antigos gregos já consumiam vinho misturado com queijo ralado, e na Ilíada, de Homero, há menção a uma bebida chamada kykeon, preparada com vinho, queijo de leite de cabra ralado e farinha de cevada.
Hoje, uma das técnicas mais utilizadas é a infusão de destilados com queijo, um processo semelhante ao fat washing, no qual o destilado absorve as características do queijo sem que sua textura altere a bebida. No coquetel “Grana dos Laura”, do SubAstor em São Paulo, o uísque é infundido com queijo Grana Padano. O processo consiste em selar o queijo e o uísque em um saco plástico e cozinhar em baixa temperatura por 40 minutos, permitindo que os sabores se integrem.
Queijos curados, como parmesão ou pecorino, podem ser ralados sobre a superfície do coquetel (alô espresso martini!) ou utilizados para decorar as bordas dos copos — afinal, a guarnição influência na percepção sensorial do coquetel tanto quanto o que tem dentro dele.
Vegetais, Temperos e Molhos
O suco de tomate é um dos ingredientes mais comuns em drinks salgados, pois além da acidez, oferece uma textura densa e umami natural. Os cogumelos são utilizados em infusões de destilados para trazer notas terrosas aos drinks, frequentemente infundidos em gin ou whisky, por exemplo.
O molho inglês e o Tabasco são dois dos molhos mais populares na coquetelaria salgada, sendo essenciais para o Bloody Mary e suas variações. O molho de soja e o missô, por sua vez, têm sido cada vez mais utilizados para introduzir umami líquido nas bebidas. No Japão, é comum encontrar coquetéis que usam molho de soja em pequenas quantidades para intensificar o sabor do whisky ou do rum envelhecido. O misô, por sua textura espessa, pode ser agregado a xaropes para dar corpo à bebida.
A incorporação de sabores salgados à coquetelaria busca proporcionar experiências mais complexas e satisfatórias, muitas vezes inspiradas em pratos culinários que despertam memórias nostálgicas… E, claro, sempre podemos voltar pro Negroni e pro Moscow Mule. Mas pense em tudo que você ama comer, e imagine como seria se isso se tornasse a base para um coquetel?