Descobrindo o Vinho Natural
Em um mundo em que a exclusividade é um valor fundamental, poder desfrutar de um vinho único, que carrega a história da terra de onde veio, é um privilégio
Há sete anos, o rapper Action Bronson, um dos meus gurus da aventura gastronômica, postou um vídeo em seu canal do YouTube sobre cozinha francesa moderna e vinhos naturais — após provar uma garrafa de Susucaru, diz ele que nunca conseguiu voltar a beber vinhos “padrão”.
Sentado no despretensioso restaurante Yard, no 11º arroiamento de Paris, ele degusta feliz um vinho de coloração única, turvo e gelado — uma mistura de duas uvas tintas com um pouco de uva branca adicionado. Chamado de Rayure, palavra francesa para ‘listra’, esse tipo de vinho quebrou a tradição de NUNCA se misturar duas uvas de “cores” diferentes.
Abriram então uma garrafa de Canta Mañana vinda de Banyuls, no extremo sul da frança, de cor alaranjada, que mescla as uvas carignan e muscat. A garrafa de pinot noir do Chateau Tschida tinha uma cor avermelhada, fugindo do tradicional roxo esperado, sendo acompanhada por uma baguete e carne curada.
Inspirada, e aproveitando uma viagem a Nova York no início do outono, decidi experimentar a tal magia dos vinhos naturais. Chamei uma amiga de Porto Alegre que cresceu na vinícola da família, agora expatriada, e fomos ao restaurante Ruffian, no East Village, para provar comida e vinhos naturais do Leste Europeu.
Pedimos dumplings de gérmen de trigo e abóbora escalfados em caldo de cebola, rabanete tostado com coco, avelã torrada e damasco, e uma pimenta recheada de arroz com mirtilo torrado e aligot com páprica e pimenta. De vinho, taças turvas de vinhos brancos da Tasmânia, vinhos laranja da Eslovênia e tintos de Croácia. Eram sabores que jamais haviam entrado no meu radar, e agora eu me sentia atraída pelos contrastes de textura e combinações de gosto.
Começou daí meu verdadeiro interesse por vinhos naturais.
Embora não sejam exatamente uma novidade, esses vinhos, produzidos sem aditivos químicos e com intervenção mínima durante o processo de vinificação, estão ganhando cada vez mais destaque em restaurantes e bares do mundo inteiro. Até aqui no Brasil, viticultores sno sul já estão flertando com safras desse tipo de vinho.
A principal característica que diferencia os vinhos naturais dos tradicionais é a sua pureza. Feitos a partir de uvas cultivadas de forma orgânica ou biodinâmica, eles são fermentados com leveduras naturais e engarrafados sem filtração ou adição de sulfitos. O resultado é um produto que expressa de maneira mais autêntica o terroir, refletindo as nuances do solo, o clima e as variedades de uva de uma forma que os vinhos convencionais não conseguem.
Enquanto outros vinhos são frequentemente manipulados para alcançar um perfil de sabor consistente e “perfeito”, os naturais abraçam a imperfeição e a variabilidade. Eles são quase que imprevisíveis, e cada garrafa pode oferecer uma experiência diferente, até mesmo dentro do mesmo rótulo.
No paladar, os vinhos naturais são geralmente descritos como mais vivos, passando uma sensação de autenticidade e proporcionando uma ligação direta com o terroir e o vinicultor, algo que muitos vinhos padronizados e tecnicamente perfeitos não conseguem transmitir.
Cada garrafa é uma verdadeira obra de arte, com personalidade própria e sabores que podem variar de uma safra para outra. A magia do vinho natural é que cada produtor consegue deixar sua personalidade na garrafa — é como a história de que nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio, mas desta vez, na mesma taça de vinho.
Essa autenticidade, além da imprevisibilidade, é o que faz dos vinhos naturais algo tão atraente — abrir uma garrafa nova é, literalmente, sempre uma aventura, um minirréveillon. Em um mundo em que a exclusividade é um valor fundamental, poder desfrutar de um vinho que é único, irrepetível e que carrega a história da terra de onde veio, é um privilégio.
Além da qualidade e da autenticidade, os vinhos naturais também estão em sintonia com o movimento de sustentabilidade e consciência ambiental que vem crescendo no setor de hospitalidade. A produção desses vinhos é, em sua essência, uma celebração à natureza e um retorno às práticas agrícolas ancestrais.
Aqui perto de casa, vinícolas como Vinha Unna no Rio Grande do Sul e Vinhedo Serena em Santa Catarina estão à frente desse movimento, produzindo vinhos naturais que refletem as características dos terroirs brasileiros. Em São Paulo, lugares como a Enoteca Saint VinSaint, na Vila Nova Conceição, oferecem uma boa seleção de vinhos naturais nacionais e importados. No Rio de Janeiro, o Canastra e o Natural Vino são ótimas opções também.
No final das contas, os vinhos naturais representam o que há de melhor neste mundo: a imperfeição e o inesperado, parte do que é realmente viver a vida. E, é claro, uma razão pra comer e beber bem, com quem amamos, é sempre bem aceita, né?!