CAFÉ EM BH: Da Mesa da Vovó Para as Ruas da Cidade
O mineiro é conhecido por muitas coisas — aquele jeito dócil e simbólico de falar, o carinho e as pessoas bonitas, famílias grandes e barulhentas, sua culinária confortante e rica e, é claro, café.
Todos que conhecem Minas Gerais, conhecem a mesa de café da manhã cheia, na casa da avó, com o bolo de fubá, o pão de queijo, a família reunida, e um cafezinho recém-passado. A história da cultura gastronômica mineira acontece ali — na mesa da cozinha, dentro de casa — e assim se expressa nossa paixão pelo café. Porém, nos últimos anos, a capital mineira tem visto uma nova maneira de consumir a bebida marcante do nosso estado.
Hoje em dia, mais e mais cafeterias vêm surgindo em Belo Horizonte, refletindo o fato de que nossa cultura de consumo de café, e todo o aspecto social que ela reflete, finalmente decidiu sair de casa. Nessa mudança recente de perspectiva, alguns estabelecimentos foram criados com a missão de educar seus clientes sobre o café que consomem, com torras especiais e métodos diferenciados de preparo, convidando mais pessoas para uma experiência sensorial inovadora, proveniente de um produto que sempre esteve presente no nosso dia a dia.
A Nanocafeteria
Para entender um pouco mais sobre isso, encontrei-me com o Felipe Brazza, um dos fundadores do Copo Café, a primeira nanocafeteria com o conceito to-go no Brasil. Ele me recebeu em seu escritório e já me preparou uma xícara de café, assim, de cara.
Nas paredes haviam pôsteres sobre a roda de sabores do café, um manual do cafeicultor e os sistemas de classificação do grão arábica, junto a estudos de transformação química dos grãos. Em 2010, quando Felipe começou a trabalhar no ramo, mal existiam cafeterias em BH. Com o tempo, ele se viu atuando para conscientizar as pessoas sobre a qualidade da torrefação e do café que estavam consumindo.
Felipe teve a ideia para o Copo Café quando viu uma cafeteria do mesmo estilo em Seattle, nos EUA, durante uma convenção de negócios. O modelo, por ser mais aplicável financeiramente, devido ao seu espaço pequeno e aos gastos mínimos, pareceu-lhe ideal para implantar aqui em Belo Horizonte, vendendo o café com o qual já trabalhava.
O Copo Café, aberto em 2017, foi pioneiro no país com o posicionamento exclusivamente to-go e conquistou uma aceitação alta do público. O retorno sobre o investimento veio em apenas três meses. Hoje, existem várias outras cafeterias com conceito similar espalhadas pelo Brasil, mas foi o Copo que lançou a tendência, diretamente da capital mineira.
Sua localização, no meio da Savassi, bairro movimentado na região centro-sul de Belo Horizonte, ajuda na popularidade, e seu púbico é aquele que, nas palavras do próprio Felipe, quer passar ali, pegar um café e seguir com seu dia:
“O modelo é adequado aos formatos da vida atual: cosmopolita e urbano, alimentando a cultura da pressa, da produtividade e da energia. Cultura na qual o café já serve quase como um sinônimo”.
O Aspecto Social
Em contraste ao modelo de negócio do Copo Café, há aquelas outras cafeterias que prezam o aspecto social que a bebida exerce na nossa sociedade − um momento de pausa e prosa demorada. Com isso em mente, conversei com Tiago Damasceno, sócio-proprietário do Oop Café, também na Savassi. Ele me contou que “a intenção da cafeteria sempre foi convidar as pessoas a desacelerar para poder apreciar o café, entendê-lo pelo seu próprio caminho, e não apenas pelo caminho daquele que o prepara”.
A palavra Oop significa “aberto” em Africâner, o que reflete bem o ambiente da cafeteria, onde as pessoas se sentem abertas para viver a experiência, e onde você não precisa ser entendedor de café para se sentir bem-vindo. A Oop recebe o cliente com uma placa em neon escrita “slow down” logo atrás do bar, exposto com croissants, pães de queijo e também french presses, xícaras decoradas e pacotes de seus diferentes tipos de café. As mesas, do lado de fora, convidam o cliente a se sentar e a desfrutar do tempo e do extenso repertório de cafés especiais oferecidos ali.
“Abrimos em 2016 e, naquela época, o mercado de consumo de cafés especiais ainda era muito jovem. A maioria das cafeterias que conhecíamos estava tentando se posicionar pela parte técnica do café, explicando para as pessoas sobre tipos diferentes de torra e valorizando o trabalho do barista como aquele responsável por transmitir essa mensagem. Porém, identificamos um problema: de tanto buscarem esse caminho da técnica, faltava um pouco de hospitalidade e acolhimento às cafeterias. Havia uma visão muito focada no produto e pouco focada no cliente e em sua experiência como um todo, para além do café”, observa Tiago.
Na Oop, e em outras cafeterias que seguem o mesmo modelo de hospitalidade, como o incrível Elisa Café, na Savassi, um dos melhores da cidade, os clientes gostam de passar um tempo ali nas mesas, interessados em viver o momento e bater um papo.
“É um público bem dividido, entre entendedores de café, que já vão ali buscando alguma novidade ou com alguma demanda mais direcionada, e também um público de pessoas que simplesmente querem se sentar e comer alguma coisa gostosa, tomando um café bom, com amigos e família”, avalia Tiago.
No Copo Café, a demanda dos clientes já é mais objetiva. Felipe me comunicou que, mesmo sendo especialista, nunca foi muito exigente com cafés de alta qualidade. “Não é sempre que temos que falar das notas do café. Se algum dia eu tiver uma cafeteria em que as pessoas possam se sentar, degustar e perguntar sobre o café, talvez. Mas, no posicionamento do Copo, essa não é a ‘pegada’ — ali, as pessoas só querem beber um café de maneira mais objetiva e prática”, acrescenta.
Se for para receber de maneira prática nossa dose diária de cafeína pela manhã, a caminho do trabalho, ou para uma pausa com amigos e família no nosso tempo de lazer, uma coisa é certa: o consumo de café fora de casa veio pra ficar. E finalmente, né?!
CULTURA
O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo, com Minas Gerais liderando esse mercado. Então, por que será que conhecemos tão pouco sobre um dos produtos mais importantes para nosso comércio e nossa cultura, enquanto países Europeus, como a Itália, desenvolveram tão precocemente a arte da apreciação de café, levando para si a boa reputação sobre seu preparo e savoir-faire? O que será que faltou ao nosso comportamento como amantes de café para criar essa cultura?
Primeiramente, existe o protecionismo brasileiro sobre o comércio do produto, que não nos permite conhecer e degustar com facilidade cafés de outros grandes produtores do grão, como Etiópia e Vietnam. Na visão de Felipe, “nossas questões políticas e industriais são muito problemáticas. O Brasil sempre exportou seus melhores cafés ao longo da história, e sempre o que nos sobrou foi o refugo − cafés extrafortes, muito queimados e cheios de misturas. E ainda assim existe um mercado para isso, porque fomos treinados de modo errado”.
Tiago apoia esse ponto de vista, reforçando que, nos países europeus, há “a questão da cultura dos cafés como espaço físico, que já existiam como lugares de encontro e preenchiam essa função social há muito mais tempo. São lugares vinculados a uma certa intelectualidade, a conversas políticas e de cultura, e sabemos que nossa sociedade é muito diferente aqui no Brasil”.
Esse é um dos motivos pelos quais a cultura do consumo fora de casa se firmou antes lá na Europa, porque ela já vem dentro de outro contexto social.
“Aqui no Brasil, a gente se firmou como exportador de café, e como produtor de uma commodity. Esse produto não estava disponível para pessoas consumirem na mesma escala que na Europa. Mas o que está acontecendo hoje é uma inversão dessa tendência. Continuamos sendo um grande produtor, e vamos continuar sendo, pois o Brasil tem uma capacidade de produção muito superior à de outros países. Porém, na medida em que fomos importando alguns hábitos de países europeus, começamos a nos conectar mais a essa cultura do café fora de casa”, explica Tiago.
O café sempre esteve ai, mas a tradição era consumir ele em casa, ao redor da mesa. Hoje, depois de ter conseguido assimilar o modelo de consumo fora de casa, temos algo forte em nosso favor: a memória afetiva do brasileiro com o café, pois já temos essa percepção da bebida como um momento de encontro, de pausa para conversar, de compartilhar.
Felipe comenta: “Nos últimos três anos, tenho notado uma revolução rápida, e acho isso muito bom. As pessoas tem que entender mesmo, beber café melhor, e temos que ter mais cafeterias para isso, já que são elas que doutrinam esse conhecimento [...] Uma tendência de produtores agora é torrar o café para o mercado interno. O produtor está entendendo que, quando ele torra o próprio café, ele gera um valor agregado muito bom. Agora, então, fazendas estão torrando o próprio café”.
Com a nova curiosidade sobre cafés especiais vinda do consumidor, empreendedores estão tomando coragem para abrir cafeterias e apostar no mercado, aumentando assim a oferta de estabelecimentos. Ambos, Tiago e Felipe, mencionam que uma grande influência nessa mudança de comportamento foi o fato de o brasileiro agora ter mais facilidade para viajar para o exterior, sendo assim exposto a esse modo de consumo e buscando algo parecido ao retornar para casa.
Tiago compartilha seu pensamento de que o café está dentro de um movimento maior, do interesse pela origem daquilo que se consome. A bebida está começando a ser vista como o produto que ela é, e na medida em que as pessoas assimilam isso, o café especial toma seu lugar no mercado. “Quando as pessoas têm a oportunidade de provar um café especial, e entender sobre a qualidade de aroma e sabor, elas colocam isso em perspectiva com aquele café que sempre tomamos, o café que a maioria dos brasileiros ainda toma, do qual não se sabe a origem”, completa.
Para Conhecer Melhor
E, para aqueles que querem conhecer melhor o que estão consumindo, e entender mais sobre o que faz um café de boa qualidade, o que se deve aprender e procurar primeiro?
Felipe diz que é importante saber preparar o seu café, pois, sem a técnica correta, não é possível extrair as notas de aroma e sabor dos grãos. “Tenho workshops para pessoas que querem se profissionalizar no ramo, mas também tenho alguns para pessoas que querem simplesmente aprender a tomar um café melhor. Acho que o essencial é a busca por essas capacitações − aprender um pouco mais é sempre saudável”, ressalta ele.
Para Tiago, o primordial para se tomar um café bom é o próprio café, uma matéria-prima de qualidade. E como saber que tipo de café nos agrada, já que diferentes torras e cultivos apresentam diversas notas de sabor?
Tiago responde: “Temos a questão cultural do café para usar como base nesse entendimento − o grosso da população brasileira consome café comercial, um café com uma torra bastante escura para mascarar os defeitos que estão ali dentro. Naturalmente, esse café é intenso e o tomamos muito doce, para combater o amargor. Na minha visão, as pessoas que estão começando a entender de café especial buscam torras com esses perfis — cafés mais fortes e com mais corpo, com doçura evidente”.
O Brasil e, mais especificamente, Minas Gerais lideram o comércio global de café. Portanto, com sua população desenvolvendo curiosidade sobre a bebida e gerando uma demanda cada vez mais crescente, seremos capazes de alimentar o mercado interno com opções de qualidade, com uma diversificação de aromas, torras e sabores que fazem justiça ao produto, tão queridinho das mesas de café de manhã lá na casa da vovó.