APOCALIPSE NOS TRÓPICOS
Um Espelho do Brasil Contemporâneo
texto bruna freire fotos divulgação
A cineasta mineira Petra Costa vem construindo uma cinebiografia instigante. Fiel à sua perspectiva, seja ela na câmera ou nos princípios, ela observa o mundo com rigor poético e compartilha sua visão subjetiva com objetividade. Foi assim que observou e filmou as relações familiares, internas e externas, e a democracia brasileira, de dentro e de fora.
Petra tem lastro, cultura e formação humanizada. É sagaz e auto-orientada pela sua curiosidade em explicar a fenomenologia humana em todas as suas dimensões. Antropóloga de formação, ela investiga a raiz da atitude social na consciência individual.
Depois de representar o Brasil no famoso tapete vermelho do Oscar, em 2020, concorrendo pela categoria de Melhor Documentário com Democracia em Vertigem, ela volta ao mainstream com uma nova obra, coproduzida por Brad Pitt (o próprio!), questionando as relações da Igreja Evangélica com a política brasileira e internacional. Faz isso resguardando, respeitando e legitimando a fé. Compassiva, explica sua compreensão: “O amor de Deus é infinito e está disponível para todos”.
O tema é sensível, e qualquer avaliação sobre o filme é pessoal e intransferível. Está disponível na Netflix, para reações, reflexões e considerações diversas. Mas, indiscutivelmente, coloca o protagonismo na democracia do Brasil e, em ordem cronológica, mostra um país estressado, ansioso e polarizado. O documentário é sintoma e também diagnóstico de uma nação em tamanha crise política, que extrapola o problema para as ordens social, econômica e religiosa.
Há uma distância bem determinada entre a sutileza imagética e a brutalidade dos fatos, mas elas chegam a quase se (con)fundir. A câmera “dança na corda bamba de sombrinha”, permitindo a manifestação de ideias antagônicas, para que o espectador busque repertório para decifrar sua própria identidade.
CONTEXTO LOCAL, OLHAR GLOBAL
A crítica internacional tem sido muito positiva, e o filme cumpre um papel interessante de pautar o contexto local para o olhar global que busca uma fidelidade democrática na informação. A campanha do filme já percorreu vários festivais internacionais e segue nutrindo sua missão de promover debates.
A produção fomenta o diálogo e comenta que muitos evangélicos lamentam que a união de política e religião faz a última perder sua força e credibilidade. Afinal, segundo o filósofo liberal do Século XVII, John Locke, quando a religião e o estado se misturam é a religião que se corrompe e não a política que se purifica.
O missionário Lúcio Trindade, que reconhece sua fonte de fé na cristandade, lembra que a Igreja Evangélica ainda é muito jovem e imatura no Brasil, e isso, eventualmente, traz consequências indesejáveis. Nem todos conseguem compreender a literalidade da palavra, cedem ao egoísmo, amam mais a si mesmos que ao próximo.
Contudo, ele pondera a necessidade de evitar estereótipos e traz luz para uma vasta rede de comunidades que praticam a fé com humildade, serviço e compromisso social. Ele ressalta que a crise apresentada não é apenas religiosa, mas humana: “Uma sociedade cada vez mais individualista e afastada de valores espirituais sólidos facilita a instrumentalização da fé”.
O debate aponta para a busca urgente de ambição moral, de integridade e dignidade nas escolhas individuais e coletivas, independentemente de qualquer espectro político. Não tem resposta fácil, mas um convite genuíno à autorreflexão. O documentário é um espelho desconfortável e necessário — e seu maior legado talvez seja lembrar que, em tempos de narrativas opostas, a complexidade não é inimiga da verdade: é sua condição.


