ABRAM ESPAÇO: A GENTILEZA QUER (E PRECISA) LIDERAR
O reconhecimento da importância do caráter e empatia na liderança está transformando a gestão de pessoas e impulsionando resultados positivos
por Bruna Freire e Débora Rocha
O dom da gentileza nos negócios começa finalmente a ser reconhecido. O enaltecimento de competências como caráter e empatia nas escolhas de lideranças globais relevantes tem apontado um novo olhar, mais cuidadoso e integral, para gestão de pessoas. Parece uma perspectiva ingênua, mas é, de fato, tendência, após tantos aprendizados amargos.
Um estudo norte-americano recente, publicado pelo DDI’s Frontline Leader Project, revelou que 57% dos funcionários desistiram do trabalho devido ao comportamento do seu superior. Outros 62%, avaliados pela consultoria em pesquisa Gallup, consideraram seriamente a possibilidade de deixar o cargo em breve devido à conduta do seu gestor. Esses dados sugerem que a cultura do perfil de líder forte, poderoso e dominador conflita diretamente com a meta de atrair, reter e desenvolver talentos.
Afinal, se valorizamos o bem-estar de uma vida feliz e próspera, é contraditório aceitarmos socialmente que o ambiente corporativo não representa isso. Se, na vida, nos afastamos ativamente das relações tóxicas, pois sabemos que é inútil e prejudicial, por que, no contexto do trabalho, normalizamos?
CENÁRIOS INSUSTENTÁVEIS
Estruturas hierárquicas, verticais e piramidais, com base larga e topo estreito, representam o cenário perfeito para problematizar as relações, vez que elevam e afastam seus líderes de suas equipes, numa posição solitária, cuja melancolia é ofuscada pelo brilho do poder. E, diante dessa perspectiva, atitudes para chegar e se manter no topo, como o individualismo, a meritocracia e o abuso de poder, são supervalorizadas, com baixa autocrítica. Isso resulta frequentemente em cenários insustentáveis, com relações insalubres, escalonamento de demissão silenciosa (quiet quitting), insegurança psicológica, competitividade acirrada entre pares, episódios de burnout, depressão, e, claro, baixa performance.
Líderes tiranos adoecem pessoas e organizações e, para restabelecer a saúde integral, um novo perfil de líder eleva-se, combinando assertividade com empatia. A virilidade corporativa pede elementos femininos para se equilibrar.
Assim emergem líderes compassivos, que compreendem que o indivíduo é nutrido pela troca genuína das relações humanas, nas quais encontra alegria e satisfação. Conceitos como sociocracia, colaboração e autogestão ganham a atenção das lideranças de consciência desperta. Fato: uma equipe de indivíduos saudáveis entrega os melhores resultados.
Prova disso é a rica coleta de dados do Projeto Aristóteles do Google, que concluiu o que os bons gestores sempre souberam: as melhores equipes são aquelas em que os membros escutam uns aos outros e demonstram sensibilidade aos sentimentos e às necessidades. Líderes e colaboradores estão interligados, são interdependentes e precisam, todos, de segurança psicológica.
HUMANIZAR É O HORIZONTE
A liderança contemporânea, alinhada às demandas do século XXI, é gentil e comprometida em criar um terreno fértil para desenvolver equipes saudáveis, valendo-se de comunicação eficaz, segurança psicológica e oportunidades de crescimento. Exemplos? Temos! E precisamos de mais:
1. Jacinda Ardern, ex-Primeira Ministra da Nova Zelândia, destacou-se por sua liderança assertiva, empática e compassiva.
2. Sheryl Sandberg, COO do Facebook, é conhecida por sua abordagem de liderança gentil e colaborativa;
3. Howard Schultz, ex-CEO da Starbucks, que é famoso por sua abordagem humana e por investir em seus funcionários.
Embora as questões socioeconômicas no Brasil sejam mais desafiadoras, a tendência global da liderança compassiva ganha cada vez mais expressão local. Ilustra lindamente esse papel Carolina Zanotta, diretora jurídica e de ESG da empresa mineira Trybe, uma Edtech com mais de 400 colaboradores, que forma profissionais da área de tecnologia.
Seu modelo de negócio de sucesso compartilhado permite que o estudante comece a pagar pelo curso somente quando tiver uma renda no mercado de trabalho.
Entusiasta do Projeto Aristóteles, de Brené Brown e de Michelle Obama, Carolina é expert em equilibrar firmeza com leveza. Entende a saúde da rede de colaboradores como um elemento fundamental da organização, com plena consciência da sua representatividade. Incentiva escuta ativa, acolhimento, grupos de afinidade, mindfullness e tem como meta o fortalecimento da segurança psicológica do seu time. Tudo isso com muito profissionalismo, assertividade e humanidade.
Ela reconhece que aprendeu a liderar em ambientes corporativos sexistas e introjetou características como agressividade e falar alto (para ser ouvida) na sua atuação. Mas foi percebendo que, ao agir assim, feria sua essência.
Atenta à sua inteireza, Carolina desenvolveu um processo de desconstrução do machismo (e do racismo, também) estrutural para se tornar uma líder mais humana, integral, feminina e fiel a si mesma.
“Comecei a me sentir mais confortável para poder falar do meu processo. Veio a vontade de montar grupos de diversidade, afinal, de nada adianta diversidade sem inclusão. Mulheres, mães, lideranças femininas, entre vários outros subgrupos, têm oportunidade de ouvir, falar e ser ouvidas. O mais rico feedback é a construção dessa rede de apoio interna em que as mulheres torcem umas pela outras. Quando nos aproximamos, conseguimos identificar quando uma pessoa não está bem. Daí a gente vai lá, conversa, acolhe, dá o apoio que a pessoa está precisando no momento e fortalece o vínculo e a confiança. Nesse processo, percebo que todos ganham, inclusive e principalmente a empresa que conta com pessoas mais resilientes e confiantes para performar seus papeis”, declara a diretora da Trybe.
Por sorte, lideranças compassivas, empáticas e humanas sempre existiram. A novidade é que elas estão saindo de um lugar de subvalorização e invisibilização para ganhar reconhecimento, por serem comprovadamente fundamentais.
Nosso convite é que vocês, leitores, fortaleçam as lideranças compassivas ao seu redor e, especialmente, a sua própria. É possível e é saudável integrar valores que parecem opostos, mas são complementares. Acreditem: um líder empático e gentil pode ser forte e ousado. A liderança compassiva é a capacidade de realizar e superar desafios com humanidade.