60 Decibéis, A Altura da Voz Humana
Poderosa não é a voz amplificada, mas a moderada, nivelada ao tom do interlocutor, cadenciando fala e escuta
por bruna freire ribeiro
Em agosto, pude experimentar a intensidade do Rio Innovation Week. Um evento global de tecnologia e inovação, recheado de mentes inquietas e vozes potentes. Entre as conferências brilhantes acontecendo simultaneamente nos diversos dos pavilhões do Píer Mauá e os estandes futuristas da Feira de Negócios, era difícil escolher onde investir a atenção.
Mas, uma vez escolhido o foco, a organização do evento facilitou uma solução genial: painelistas microfonados, fones de ouvido para os participantes e caixas de som distribuídas estrategicamente formaram uma orquestra bem afinada de recursos e tecnologias para garantir que todas as ideias fossem ouvidas.
E o que isso tem a ver com sustentabilidade e inovação?
Absolutamente tudo! Porque, no fundo, sustentabilidade é diálogo; e a inovação é a força motriz da sustentabilidade.
Sessenta decibéis: essa é a altura média da voz humana, o som de uma conversa comum, uma risada não muito alta. Na democracia de vozes cada um fala por vez, e todos falavam em tom semelhante, em harmonia, sem sobrepor sua voz à do outro. Poderosa não é a voz amplificada, mas a moderada, nivelada ao tom do interlocutor, cadenciando fala e escuta.
Vivemos em um mundo que grita. Que exige megafones, likes, megabytes de atenção. E precisa de muita negação para não perceber que este mundo está em ponto de ruptura. O clima em descontrole, por consequências dos excessos da atividade humana, e a intolerância que já não cabe nos comentários presenciais e em redes sociais. Vivemos em um looping de ruídos. Um barulho que nos impede de ouvir com atenção o que realmente importa.
Ao mediar o painel sobre Amazônia e Justiça Climática, a convite do Planetiers World Gathering, no meio de toda aquela tecnologia, compreendi que, mais do que nunca, precisamos retornar ao básico: ouvir.
Ao meu lado, no palco, estavam We’e’ena Tikuna, liderança indígena Tikuna; Julia Tatto, do negócio de inovação da sociobioeconomia Urucuna; e Ricardo Politi, da organização americana Amazon Investor Coalition, com foco em investimentos na floresta e em suas comunidades. E o que ficou da nossa conversa foi a certeza de que não precisamos de mais barulho, precisamos de mais escuta.
Por que ouvir é revolucionário?
Escutar os povos originários não é sobre dar voz a quem já a tem, mas sobre abrir espaço para que sua sabedoria ecoe mais longe. É entender que a identidade desses povos é anterior à colonização e que a cosmovisão indígena nos oferece uma perspectiva essencial sobre responsabilidade e cuidado com a terra. Eles nos ensinam que o conceito de “propriedade” é algo que precisa ser urgentemente repensado. A terra não nos pertence; nós pertencemos a ela.
No painel, falamos sobre as “steward ownership”, que chamamos em português de “empresa de propósito” ou “empresa de propriedade responsável”, um conceito que a Purpose Economy vem trabalhando desde a Alemanha para vários outros países, inclusive da América Latina.
Sua proposta é que o direito sobre um bem vem depois da responsabilidade de zelar por ele. E se, antes de querermos ser donos de algo, nos perguntássemos, “estamos preparados para cuidar disso, para ser guardiões dos seus valores?” Responsabilidade, depois direito. Em um mundo onde tudo é sobre ter, isso soa como uma revolução, não fosse, de fato, a estrutura de grandes grupos europeus, como Bosch, Mahle, Novo Nordisk e Zeiss.
A conversa, que fluiu leve e ao mesmo tempo firme, me fez perceber que estamos todos famintos de um diálogo mais aberto, mais respeitoso, mais humano. E foi ali, naquele palco, que entendi que talvez o que precisamos mesmo seja voltar a atenção para falar na altura de uma conversa agradável, sem pressa, sem julgamento. Não é sobre vencer o debate; é sobre ouvir a experiência e o conhecimento do outro, compartilhar o seu e encontrar pontos de convergência.
É sobre entender que temos mais a ganhar quando unimos forças.
Escutar, Falar, Calar, Ouvir
Se o foco é a saúde da Amazônia, é fundamental escutar os povos originários, compreender a necessidade local e dar cada vez mais amplitude à sua identidade ancestral e genuína. O equilíbrio da floresta desperta atores capacitados de várias áreas do mercado para convergir seu esforço e competência em prol da abundância da floresta, e esse é um propósito visionário, autêntico e poderoso.
No Rio Innovation Week, cercados por toda aquela aparelhagem high-tech, ficou claro que a verdadeira inovação está na comunicação. O tom não deve ser alto nem baixo demais, nem opressor nem submisso, apenas suficiente. A 60 decibéis. Um lembrete de que, para salvarmos a nós mesmos e ao planeta, precisamos de menos ruído e mais ouvido.
No final das contas, a maior inovação é conseguir silenciar os ruídos entorpecentes, permitir os diálogos proveitosos e encontrar a cadência linda de falar, calar, ouvir…